PE: policiais recebem bonificação por prender brincantes que

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Há pelo menos 13 anos os bacamarteiros de Pernambuco têm sofrido com prisões (precisando remunerar fianças) e tendo suas armas de folguedo apreendidas pela polícia. Os policiais ganham bonificações pela mortificação dessas armas. O espingarda é um instrumento de folguedo tradicional no estado, onde estima-se ter 100 grupos organizados que praticam. Apesar de legalmente cobertos, por desinformação do poder público os brincantes seguem sendo detidos.

Personagens tradicionais dos festejos juninos no estado, os grupos de bacamarteiros são formados por homens, mulheres e mesmo crianças, que dançam, cantam e disparam suas armas para o solo, provocando possante estrondo. Os bacamarteiros do Cabo são reconhecidos uma vez que patrimônio vivo de Pernambuco. A Federação dos Bacamarteiros de Pernambuco (Febape) estima que há 100 grupos organizados em todo o estado, que somam em torno de 5 milénio brincantes.


Considerados artesanato, bacamartes têm posse e porte liberados desde 2021, mas a pólvora não / Paulo Maia/reprodução

Expedido ou Lei

Os bacamarteiros querem que a Secretaria de Resguardo Social (SDS), que chefia as polícias social e militar no estado, adote alguma medida de informação interna para parar com as prisões. “Hoje já temos toda a cobertura lítico. Mas eles [os policiais] ganham bonificação pelas armas e nós continuamos sendo presos e tendo que remunerar fiança”, reclama o brincante.

“Queremos alguma coisa que esclareça o poder público, tanto das polícias uma vez que MP, para que entendam que isso é uma graçola – mais antiga que o frevo, inclusive”, defende ele.

Posteriormente o caso em Verdejante, onde até o Ministério Público apoiou a prisão, Ivan Marítimo foi, no último dia 15, à sede do MPPE conversar com coordenadores dos núcleos de atividade policial, resguardo social, operacional criminal e de preservação do patrimônio histórico dentro do órgão. Agora esperam alguma atitude por segmento da SDS, ao mesmo tempo em que buscam alternativas junto aos deputados estaduais. “Estamos conversando com a Parlamento Legislativa para ver se criamos uma lei. Parece que a gente tem que traçar para os policiais conseguirem entender”, dispara.

Leia mais: Tiros de espingarda são homenagens a São João 

O decreto estadual 27.606 de 2005 cria incentivos financeiros aos policiais por arma apreendida, com valor variando de entendimento com o calibre. A bonificação pela mortificação de um espingarda é de R$1.200. Mas o decreto estadual está desatualizado, visto que se ancora no decreto federalista 3.665 de 2000, que foi revogado pelo presidente Jair Bolsonaro em 2019 e substituído pelo decreto 9.847/2019.

Ele conta que a cobertura da prensa dada aos casos também ajuda a orientar os policiais. “Há quase 10 anos tivemos uma conversa na SDS que não resolveu zero institucionalmente, mas que ganhou visibilidade no interno e os policiais ‘deram um tempo’ dessas prisões”, lembra ele.

Na sede da Sobac, no meio do Cabo de Santo Agostinho, região metropolitana do Recife, existe o “Museu Olímpio Bonald de Espingarda”, devotado à história do folguedo. O grupo conseguiu assinar em edital recente do Fundo de Cultura de Pernambuco (Funcultura) a produção de um inventário do espingarda no estado.

Histórico

Em 2009, no município de Belém de Maria, região poderoso, a polícia pernambucana manteve recluso por quatro dias Lenilson Ferreira da Silva, o principal artesão de bacamartes do estado. “Ele é o maior artesão de bacamartes no Brasil e no mundo – porque só tem isso cá no Brasil”, conta Ivan Marítimo, presidente da Febape e integrante da Sociedade dos Bacamarteiros do Cabo de Santo Agostinho (Sobac).

Anos depois um outro brincante foi impedido, desta vez em Gravatá, mas foi liberado em seguida conversa de Marítimo com o portanto prefeito, que por sua vez interviu junto ao procurador sítio. Mais recente, em 2021, novidade prisão, desta vez no município de Verdejante, sertão do estado. A polícia foi buscá-lo em morada, com arguição de que ele possuía arma de lume. “E neste caso o Ministério Público acatou o sindicância policial e reforçou a denúncia. Logo além da polícia, o MP também faz essas besteiras”, reclama o presidente da Febape.



Folguedo tem 150 anos de tradição em Pernambuco; grupos reúnem famílias inteiras / Registo/Febape

O espingarda, que já foi arma solene do Tropa brasiliano nos anos 1700 e 1800, é uma arma de grosso calibre (supra de 0,40 polegadas), mas considerada obsoleta. Símbolo regional, a arma foi retratada em cena marcante do filme Bacuaru (2019). Sua utilização por grupos culturais foi regulamentada por uma instrução técnico-normativa (ITA) do Tropa Brasiliano datada de 2002.

Mas sua confecção e comercialização seguia obedecendo os decretos de armas, o que dificultava a atuação de artesãos. “Éramos proibidos de fazer espingarda”, resume o presidente da federação. “Posteriormente a prisão de Lenilson nós passamos anos brigando com o Ministério da Resguardo, exigindo que alguma coisa fosse feito”, conta Ivan Marítimo. Só em março de 2018, na ITA 015/2018, foi que entrou a regulamentação do artesanato do espingarda.



Utilização de bacamartes por grupos culturais é regulamentada desde 2002. / Domingos Sávio/reprodução

No famoso “decreto das armas”, de 2021, o espingarda foi retirado da lista de produtos controlados, sem premência de supervisão. “Hoje o espingarda não faz mais segmento do rol de armamentos, por ser considerado obsoleto, sem premência de controle. É um artesanato. Mas a polícia continua prendendo, cobrando fiança e recebendo bônus por mortificação de espingarda”, se queixa Ivan Marítimo, que garante que as armas são utilizadas somente em apresentações folclóricas.

A pólvora, por outro lado, é um resultado controlado. “Logo continuamos fazendo certificados de registro (CR) a cada dois anos, junto ao Tropa, para que possamos seguir com nossa atividade. Sem isso não tem graçola. Podemos circunvalar à vontade com espingarda, mas não podemos usar pólvora sem o CR”, explica ele. “O processo é simples. Dentro da Febape fazemos a capacitação dos presidentes de grupos locais de bacamarteiros”, conta.

Nascente: BdF Pernambuco

Edição: Vanessa Gonzaga e Rebeca Cavalcante

Nascente: Brasil de Vestimenta

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