Privatização da Eletrobras prenúncio maior meio de pesquisa do

A privatização da Eletrobras, além de levar a um aumento nas contas de luz, pode inviabilizar o trabalho do maior polo de pesquisas do setor elétrico da América Latina, o Meio de Pesquisa de Força Elétrica (Cepel). Bancado hoje quase que exclusivamente pela estatal e suas subsidiárias, o meio deve permanecer sem recursos caso ela seja privatizada.
O Cepel foi fundado em 1974 pela própria Eletrobras com dois objetivos: ajudar no desenvolvimento do setor elétrico, que passava por grande expansão; e reduzir despesas do país com compra de tecnologia estrangeira.
Desde portanto, de seus laboratórios na Ilhéu do Fundão, no Rio de Janeiro, o polo desenvolveu diversas ferramentas e softwares, entre outras coisas, para governo da rede elétrica vernáculo. Foram criadas pelo Cepel, por exemplo, as plataformas utilizadas pelo Operador Pátrio do Sistema Elétrico (ONS) para supervisão do Sistema Interligado Pátrio (SIN).
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83% do orçamento do Cepel
Por conta de sua prestígio, a Eletrobras sempre contribuiu com o financiamento do Cepel. O balanço financeiro mais recente do meio, referente ao ano de 2020, aponta que a estatal e suas subsidiárias aportaram mais de 83% de tudo que o polo recebeu para manter suas atividades naquele ano. Foram mais de R$ 190 milhões vindos das empresas dos R$ 227 milhões do totalidade do orçamento do meio.
Acontece que a lei que autoriza a privatização da Eletrobras cria mecanismos para que esse financiamento via estatal do Cepel tenha um término. E, sem recursos, o trabalho do Cepel pode ser inviabilizado, segundo pesquisadores ouvidos pelo Brasil de Vestuário.
Lei autoriza golpe
A lei sobre a privatização da Eletrobras foi sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) em julho do ano pretérito. Prevê que a venda do controle da estatal ocorra depois a aprovação de uma mudança no regimento da Eletrobras. Essa modificação precisa prometer que a Eletrobras, já sob novidade gestão, mantenha seu investimento no Cepel por seis anos. Depois disso, no entanto, não haveria nenhuma outra obrigação da empresa com o meio.
O Ministério de Minas e Força (MME) informou que, durante esse tempo, o Cepel pode buscar alternativas de financiamento “junto ao mercado”. O pesquisador do meio e diretor do Sindicato dos Engenheiros do Estado do Rio de Janeiro (Senge-RJ), Agamenon Oliveira, ressaltou que esse financiamento privado é pequeno. Zero indica que irá aumentar.
“Pela natureza da pesquisa que o Cepel faz, somente um ente público pode suprir a premência de financiamento”, afirmou. “O capital privado não vai ser disposto onde o retorno é de longo prazo e envolve incertezas, embora em outros países cada dólar investido em pesquisa retorne multiplicado por cinco, sete ou mais”, destaca.
A vice-presidente da Confederação Pátrio dos Urbanitários (CNU), Fabíola Antezana, concorda com a previsão de Oliveira. Segundo ela, o Cepel já pode captar recursos no setor privado, prestando serviços a empresas, por exemplo. Em 2020, porém, esse trabalho gerou unicamente 13% de toda a receita do meio no ano.
“O maior meio de pesquisas do setor elétrico da América Latina corre risco de ter recursos insuficientes para sua manutenção”, alertou.
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Prejuízo ao país
O pesquisador Oliveira, do Senge-RJ, afirmou que os prejuízos com a inviabilidade do Cepel seriam enormes. Primeiro, porque empresas brasileiras teriam que, no horizonte, passar a comprar tecnologia que historicamente é produzida no país. Segundo, porque todo o conhecimento amontoado por pesquisadores do meio seria perdido.
“Não se acumula conhecimento tecnológico sem muito esforço”, complementou. “Furar mão do Cepel será se desfazer desse patrimônio que é do povo brasiliano e também colocar a questão da soberania tecnológica do Brasil em sério risco”, defende.
O próprio MME ratificou a prestígio do Cepel para o setor elétrico vernáculo. “O Cepel desenvolve mais de 25 modelos matemáticos aplicados ao planejamento da expansão da oferta de força elétrica”, informou. “Outrossim, dispõe de infraestrutura laboratorial diferenciada para certificação de equipamentos e sistemas”, detalha.
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O Selo Procel de Economia de Força, que os consumidores encontram em eletrodomésticos, foi desenvolvido com ajuda do Cepel, inclusive.
Apesar disso, o governo não prevê uma manancial de financiamento público para o meio. “O Cepel tem toda a exigência de buscar recursos junto ao mercado, a exemplo do que já é feito por outros centros de pesquisas no país e no exterior”, declarou o MME.
Procurada pelo Brasil de Vestuário, a Eletrobras informou que o Cepel é uma “associação social sem fins lucrativos, pessoa jurídica de recta privado”. Informou também que o meio “contribui para a manutenção de uma infraestrutura tecnológica avançada de pesquisa, desenvolvimento e inovação, em equipamentos e sistemas”. Porém, não respondeu se a empresa pretende manter seus investimentos no Cepel depois os seis anos exigidos na lei da privatização da companhia.
O Cepel não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Metade do preço?
O governo federalista quer transferir o controle da Eletrobras ao setor privado vendendo ações que ele detém da empresa. A expectativa é que essa operação seja realizada até maio deste ano.
Na semana passada, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu seu primeiro aval à privatização da Eletrobras. Durante sessão do órgão, o ministro Vital do Rêgo, contestou o valor que o governo pretende receptar com a venda. Segundo ele, o horizonte poderá trazer a sensação de que “a Eletrobras foi vendida pela metade do preço e a iniciativa privada está fazendo a sarau”.
Rêgo afirmou que, apesar de o governo orçar as hidrelétricas da companhia em R$ 67 bilhões, o patrimônio valeria R$ 130,4 bilhões.
Edição: Rodrigo Durão Coelho